Meu segredo profanamente sagrado,
Amada e temida, prazer em vida, fogo e aniquilação.
À distância vejo a tua cor negra que absorve todas as cores,
E quando de mim, está bem perto, dissolve o que não é.
A tua nudez coberta de céu transcende todas as formas.
Teus cabelos se agitam sobre os crânios de teu colar,
E no teu ventre balança o cinto de mãos cortadas,
Daqueles que tiveram seus trabalhos superados.
Toco em tua face e em teus seios lambuzados de sangue,
E os teus gemidos mântricos são entoados pelo ritmo excitante de
nossos corpos unidos pelos nossos opostos.
Sem a tua Shakti sou impotente e inerte.
A vida e a morte unidas sob as chamas das velas em castiçais,
Sinto teu hálito de incenso de sândalo,
Esfrego-me no teu suor de óleo de almíscar,
E no teu corpo reconheço a natureza efêmera e imprevisível.
No calor de nossa cripta nupcial, ornada de pétalas de flores e
rosas, que ressecadas caem das coroas fúnebres,
Junto das mensagens de saudade deixadas no sétimo dia pelos
entequeridos, gozamos de prazer suave.
Somente há cinzas e pó de cadáveres ao nosso redor.
Tudo que tende aprisionar está dissolvido.
OM Kali, OM Kali, OM Kali.
Meu segredo profanamente sagrado.
Olho no fundo dos teus três olhos,
E vejo o Sol a Lua e o fogo.
E vejo o passado, o presente, e o futuro.
Mas, existe aquilo que deve ser conhecido.
E existe o que jamais poderá ser revelado.
Mas tu não tens vergonha,
Tens o corpo nu, exibindo a tua beleza cruel.
E oculta a tua face sob os véus escuros do silêncio,
E quando mostra a tua língua ardentemente escarlate, que se agita
numa voluptuosidade serpentina, consome todas as coisas e aprecia
todos os sabores que o mundo diz ser proibido.
A criação e a destruição estão em tuas mãos.
Empunha a espada ensangüentada, e a cabeça da falsa consciência
cortada.
E sussurra em meus ouvidos: "não temas!".
E me abre os teus portões, quando te peço:
Abre! Abre! Abre!
Abre-me teu portão de liberdade!
Eleva-me no teu furor de fêmea indomável no cio.
OM Kali, OM Kali, OM Kali.
Conceda-me a dádiva da tua flor orvalhada de sangue que arde em fogo
brilhante de verdade.
Deleite há no inefável encontro do fim com o início.
E no Vale da Morte, sobre as lousas dos desencarnados,
No nosso leito mortuário, pecado é o que se faz do desejo o
contrário.
Incitantemente, teus quadris oscilam e derramam o líquido da tua
taça.
Surge o teúrgico equinócio, e a lembrança de todos os finais de
tardes,
Em esplendor eterno, traçado sobre nossas cabeças como um arco-íris,
Na casa número treze de São João Batista.
Venha! Venha! Venha!
Negra como a noite, e dance no meu coração,
Onde tudo arde, onde tudo queima.
Dance sacudindo teus cabelos e solte um berro sinistro,
Mostre-me o mundo sem controle.
Um mundo criado e destruído na tua própria dança selvagem.
Eu sou convidado a fazer parte dessa dança, dança frenética de vida
e morte.
Esta dança que arrebata meu espírito, e que faz desaguar minha fonte
orgásmica de matéria, onde insaciavelmente tu bebes, e te banhas.